domingo, 28 de setembro de 2008

A Natureza da Liberdade

Saanen, 31 de julho de 1962.
Krishnamurti
Do Livro: Sobre a Liberdade - Cultrix
No outro dia, falávamos sobre a ação livre de idéia uma vez que,conforme dissemos, o pensamento é uma resposta da memória; o pensamento é sempre limitado, condicionado pelo passado e , por isso,jamais levará à liberdade.
Acho muito importante compreender esse fato. Se não compreendermos, por inteiro, o processo de autodefesa do pensamento, não poderá haver liberdade psicológica. E liberdade (que não é uma reação à não-liberdade nem o oposto disso) é essencial, pois só em liberdade podemos descobrir.Só quando a mente está de todo livre é que podeperceber o verdadeiro.
A verdade não é uma coisa contínua que se possa manter mediante prática ou disciplina, mas algo que se percebe num lampejo.A percepção da verdade não surge através de qualquer forma do pensamento condicionado, razão pela qual o pensamento não pode imaginar, concebernem formular o que seja a verdade.
Para se entender, plenamente, o que é a verdade, tem de haverliberdade.Para a maioria de nós, liberdade é apenas uma palavra, uma reação ou uma idéia que serve de fuga à nossa escravidão, ao nosso sofrimento, à rotina entediante do dia-a-dia; mas isso, absolutamente, não é liberdade.A liberdade não vem através da busca porque nãopodemos buscar a liberdade e tampouco procurá-la. A liberdade só vem quando compreendemos todo o processo da mente que cria suas próprias barreiras, limitações e projeções a partir de uma base de experiência condicionada e condicionante.
Para uma mente de fato religiosa, é importantíssimo compreender aquilo que transcende a palavra, que transcende o pensamento e toda experiência. E, para compreender isso, para estar com o que se acha além de toda experiência, para perceber isso profundamente e num lampejo, a mente deve estar livre. Idéia, conceito, padrão, opinião, julgamento ou qualquer disciplina organizada impedem a liberdade da mente. Essa liberdade traz a sua própria disciplina – não a disciplinada submissão, da repressão ou do ajustamento, mas a disciplina que não é produto do pensamento, que não tem motivo.
Seguramente que, num mundo confuso, com tanto conflito e miséria, é mais do que urgente entender que a liberdade é o primeiro requisito da mente humana - não o conforto nem o fugaz momento de prazer nem a continuidade desse prazer, mas uma liberdade total, que é a única origem da felicidade. A felicidade não é um fio em si mesma; como a virtude. É um subproduto da liberdade. Uma pessoa livre é virtuosa; mas o homem que pratica a virtude, submetendo-se a um padrão estabelecido pela sociedade, jamais saberá o que é liberdade e, porisso, jamais será virtuoso.
Gostaria de falar sobre a natureza da liberdade e ver se podemos, juntos, encontrar tateando o caminho para ela; mas não sei como escutam o que estamos dizendo. Escutam apenas as palavras? Escutam para compreender, para experimentar? Se escutam em qualquer desses dois sentidos, nesse caso muito pouco valor terá o que se está dizendo. O importante é escutar, não as palavras nem com a esperança de experimentar essa coisa extraordinária que é a liberdade, mas escutar sem esforço, sem luta, serenamente. Isso, contudo, exige atenção. Por atenção, quero dizer estarmos totalmente empenhadosnisso, com a mente e o coração. Se ouvirem desse jeito, descobrirão por si próprios que não podemos ir em busca de tal liberdade, que ela não provém do pensamento nem de exigências emocionais ou histéricas. A liberdade surge, sem que precisem procurá-la, quando há total atenção.
Atenção total é o estado da mente que não tem limites nem fronteiras e que, portanto, é capaz de captar cada impressão, de ver e ouvir tudo.
E isso podemos fazer; não é coisa tão difícil assim. Torna-se difícil unicamente porque estamos presos a hábitos e isso é uma das coisas de que gostaria de falar.
Cremos poder escapar da inveja gradualmente e fazemos esforço para noslivrar dela aos poucos e, assim, acabamos introduzindo a idéia detempo. Dizemos: "Tentarei livrar-me da inveja amanhã ou um pouco maisadiante"; entrementes, porém, continuamos invejosos. As expressõestentar e entrementes são a própria essência do tempo e, quandointroduzem o fator tempo, não conseguem libertar-se do hábito. Ourompem com o hábito de uma vez por todas, ou ele continua, embotando amente e criando novos hábitos.
Mas será possível a mente livrar-se, por completo, dessa idéia deatingir alguma coisa gradualmente transcender algo, ficar livregradualmente? Para mim, liberdade não é uma questão de tempo – nãoexiste nenhum amanhã no qual se possa ficar livre da inveja ouadquirir uma virtude. E, não havendo amanhã, não há medo. Só existe opleno viver no agora; o tempo cessou de todo e, desse modo, acaba aformação de hábitos. Com a palavra agora refiro-me ao que éinstantâneo, que não é reação ao passado nem uma forma de evitar ofuturo. Há tão-somente um momento de atenção total; toda atenção,nesse momento, está aqui, no agora. Certamente que toda existênciaestá no agora; quer sintam uma enorme alegria, quer experimentemprofundo sofrimento, ou seja o que for, só no presente é que issoacontece. Através da memória, no entanto, a mente acumula aexperiência do passado e a projeta no futuro.
Se não estivermos livres do passado, não haverá liberdade pois a mentenunca é nova, fresca, inocente. Só a mente fresca e inocente é livre.Liberdade nada tem que ver com idade, com experiência. A mim me pareceque a essência mesma da liberdade está no compreender o mecanismo dohábito, tanto consciente como inconsciente. Não é uma questão de porfim ao hábito, mas de ver toda a estrutura do hábito. Temos deobservar como formam os hábitos e como, por rejeitar um hábito ouresistir a ele, criamos outro hábito. O que importa é estareminteiramente cônscios do hábito; nesse momento é que poderão ver, porsi mesmos, que findou o processo de formação de hábitos. Resistir aohábito, lutar contra ele ou rejeitá-lo só dá continuidade ao hábito.Quando lutam contra o hábito, dão vida a ele e, então, apenas atentosà estrutura do hábito como um todo, sem resistência, descobrirãoestarem livres do hábito e, nessa liberdade, ocorre algo novo.

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